Carta Aberta ao deputado Jair Bolsonaro

sexta-feira, 22 de julho de 2011

Por Alice Vianna

(dep.jairbolsonaro@camara.gov.br)

Senhor deputado Jair Bolsonaro,

Escrevo este e-mail para desabafar acerca de fatos que vêm ocorrendo à minha volta, que não apenas me estarrecem como também me chocam – e machucam. Espero que, na posição de defensor do povo, minhas palavras cheguem até o senhor na mais absoluta tranquilidade e respeito... Afinal, escrevo em nome de outros milhares de brasileiros que, tenha certeza, pensam da mesma forma que eu.

No Brasil as coisas sempre parecem acontecer de um jeito estranho. E creio não ser novidade para o senhor que tudo aqui gira em torno do poder. Seja o poder para comprar bens materiais, seja para comandar a mente alheia. O poder parece-me, inclusive, ser o único alimento capaz de saciar a gula de monstros disfarçados de gente que andam por aí.

Um dos pratos em que essa influência é servida é a política, que possibilita que muita gente se farte, se lambuze e se delicie com o poder. Alguns ficam completamente cegos e loucos quando conseguem uma migalha de poder. Outros já o são antes mesmo desse contato. E isso é muito, muito perigoso.

Há tempos que me controlo e tento, sinceramente, não me aborrecer com a política do nosso país (país esse que amo mais que a mim mesma). Mas não deixa de ser repugnante ver que tantos e tantos políticos agem unicamente em prol de si mesmos, tendo em uma das mãos a ganância e na outra a soberba, enquanto olham exclusivamente para seus umbigos.

Meu coração se contrai em dor quando vejo que muitos cospem, em seus pronunciamentos, palavras ilógicas e descabidas – sempre visando o amanhã, sempre almejando as próximas eleições, sempre agonizando por mais um farelo de poder.

O pior nisso tudo nem é o fato desses políticos não cumprirem nem metade do prometido (para ser sincera, minha menor preocupação é com seus colegas de parlamento. Peço desculpas caso a minha sinceridade o incomode...!). Mas o que me indigna de verdade é que o povo, carente de cultura, educação e conhecimento, acredita e se deixa levar pelos impropérios insanos pronunciados por gente assim como o senhor.

Explico...!

O senhor anda disseminando ódio e discórdia pelo meu país, que é “abençoado por Deus e bonito por natureza”. O senhor é responsável por atos que talvez o senhor desconheça (se bem que duvido um pouco disso. Já percebi que o senhor é muita coisa, menos burro).

Graças às suas manifestações e aos seus pronunciamentos, senhor Jair Bolsonaro, tem gente por aí praticando a violência e se respaldando em alegações arrotadas pelo senhor. Para ilustrar, um pequeno exemplo: dia desses ouvi gente dizendo que o correto mesmo é que gays sejam agredidos na rua com lâmpadas fluorescentes (tais quais aquelas que foram utilizadas naquele recente caso ocorrido na Avenida Paulista). Ao fim da frase ouvi um “viva o Bolsonaro”.

Será que em algum momento o senhor parou para refletir na amplitude que suas palavras ganhariam? Será que se arrepende de tê-las proferido?

Não me importo para as teorias em que o senhor se baseia quando ataca homossexuais. Na verdade, eu não apenas não me importo como também estou me lixando para elas (como diria seu colega Sérgio Moraes, do PTB do Rio Grande do Sul, à época relator do Conselho de Ética da Câmara).

Acredito que a liberdade de expressão deva ser preservada ao máximo, e mesmo não conseguindo digerir suas injúrias, eu as respeito. Mas não faço isso por bondade: faço para ser civilizada. Para ser respeitada. Para manter minha dignidade.

(Peço desculpas caso as palavras recém-citadas lhe causem algum estranhamento. Compreendo que termos como civilidade, respeito e dignidade não devam fazer parte do seu cotidiano e vocabulário...)

Não quero que respeite o que eu digo, tampouco tenho a meta de fazê-lo mudar seus pensamentos. Portas e pessoas como o senhor não costumam mesmo dar ouvidos aos outros... Mas se o senhor conseguir ao menos ler meu desabafo até o fim, ficarei grata.

Ninguém é obrigado a gostar de homossexuais, senhor Jair Bolsonaro. A obrigatoriedade é quase sempre chata e quando falamos de apreciar ou não o outro, essa obrigação torna tudo ainda mais pesaroso. Mas lembro que uma das primeiras coisas que aprendi, ainda menina, é que devemos amar o próximo, e respeitá-lo tal qual ele é. Incondicionalmente.

Se eu não gosto do meu vizinho, isso não me dá ao direito de agredi-lo. Ou dá? Se me aborreço no trânsito, isso não significa que eu posso surrar o motorista ao lado. Ou posso? Se me irrito com meu chefe, a irritação não dá brechas para que eu me demita, tendo antes cuspido em sua cara. Ou estou errada?

O senhor não gostar de homossexuais é um direito seu. Mas se além de o senhor não gostar o senhor incitar a violência, usando as pessoas ignorantes como maquiavélicos fantoches, aí a coisa muda. Porque a partir do momento que as suas palavras comandam ações de terceiros, a coisa debanda. Concorda?

Ou o senhor estaria disposto a arcar com as ações ocasionadas a partir de suas palavras? Acredito que não. Como mencionei anteriormente, tenho total ciência de que o senhor é muita, muita coisa... mas não burro (caso eu esteja equivocada quanto a isso, peço perdão!).

Tenho por hábito acompanhar as notícias do meu Brasil pela internet, preferencialmente em sites que permitem aos usuários postarem comentários acerca do assunto abordado. E o que acontece sempre, senhor Jair Bolsonaro, é que cada vez que entro para verificar o que andam dizendo a seu respeito, me assusto quase ao ponto de paralisar.

As pessoas o apoiam, o idolatram e o defendem, senhor Jair Bolsonaro. Querem que o senhor se candidate à presidência do Brasil – como se, em primeiro lugar, o senhor tivesse reais chances de sagrar-se vencedor e, em segundo, como se o fato de o senhor ser presidente fizesse com que todos os gays fossem imediatamente condenados à fogueira.

Vejo que parte da população do meu país amplifica suas palavras, elegendo-o como uma espécie de deus (pobres deuses...). E é aí que encaro, perplexa, a opinião de muita gente. Dizem que homossexuais são monstros, são doentes e que deveriam morrer. E já que não há como todos morrerem simultaneamente, apoiam um massacre em série.

Devo ter lido em algum lugar (por favor, peço que não pense que sou sua fã, ou que me interesso por assuntos que envolvem o senhor! Longe disso, acredite!) que o senhor crê em Deus. Diga-me, então, senhor Jair Bolsonaro: Deus aprecia o que o senhor faz?

Uma das principais premissas que, creio eu, norteia nossa vida, é que Deus é amor. Amor, senhor Jair Bolsonaro, não ódio (é possível enxergar a discrepância entre ambos?). Sendo assim, como é possível que o senhor tenha gosto em disseminar sentimentos ruins? Isso não é contraditório?

Será que algum dia, mesmo que de repente, o senhor parou para pensar que nenhum homossexual teve a escolha entre ser ou não ser homossexual? Ou será que de algum jeito biruta, no seu pensamento maluco, as pessoas se transformam em homossexuais? Como se, do nada, acordassem em uma linda manhã de sol e dissessem “ah, chega, vou ser homossexual agora”...?

Tudo é muito mais complexo do que o senhor vomita, senhor Jair Bolsonaro. Se me permite um conselho, integre-se ao assunto, qualquer que seja ele, antes de sair cuspindo palavras odiosas. Isso trará ao senhor não apenas o reconhecimento de todos, como também será possível que possamos ver que, no fim, o senhor tem um mínimo de inteligência.

Os homossexuais não escolhem ser homossexuais. Na verdade, eu tenho certeza de que muitos marcariam um xis na opção hétero, caso houvesse essa possibilidade. Isso traria menos problemas, menos sofrimento, menos angústias.

Não pense o senhor, senhor Jair Bolsonaro, que é um prazer e uma honra para o homossexual se assumir para seus pais, parentes e amigos. Não pense o senhor, senhor Jair Bolsonaro, que isso não acarreta profundas modificações na vida da pessoa. Não pense o senhor, senhor Jair Bolsonaro, que as feridas ocasionadas por diversos momentos de humilhação cicatrizam rapidamente: elas serão sempre eternas, e haverão de sangrar, hora ou outra.

Hoje pela manhã fui despertada por uma notícia inadmissível: pai e filho foram espancados por um grupo de sete homens, pois os agressores desconfiaram que eles eram gays. Pai e filho espancados. Espancados não porque estavam roubando, ou estuprando, ou matando alguém. Espancados porque sete imbecis supuseram que eles eram gays. Como se isso fosse motivo de alguém levar uma sova!

Sei que o senhor não era um dos sete mentecaptos envolvidos na agressão, mas o fato de não ser o senhor que segura a arma, não o redime da responsabilidade de tê-la carregado. Porque é exatamente isso que o senhor faz, senhor Jair Bolsonaro: carrega armas e incentiva a violência contra os gays. Incita humanos a agredirem humanos, apenas porque alguns pensam e agem de maneira diferenciada.

Torço para que seus filhos e netos sejam heterossexuais. Jamais desejaria que um deles se descobrisse homossexual, porque o sofrimento seria inteiramente deles; jamais seu. Ao contrário do senhor, senhor Jair Bolsonaro, tudo o que eu menos quero é gerar discórdia entre os meus.

E antes que o senhor diga que integrantes da sua árvore genealógica jamais poderiam ser homossexuais, faço aqui minha ressalva: sou filha de heterossexuais e eu e meus irmãos heterossexuais recebemos a mesmíssima educação. Mas em determinado momento da minha vida, descobri que sou homossexual. Ou seja: esse papo de que quem é criado com amor, ou quem é criado por pais heterossexuais não é homossexual é balela. É lorota. É idiotice.

Não me orgulho em ser lésbica, mas tenho orgulho de ser quem eu sou: uma cidadã de bem, que honra suas dívidas e semeia a paz por onde passo. E não me importo se um dia o fato de eu não brincar de casinha como as demais meninas comprometa a minha integridade física, desde que neste momento eu esteja com a consciência tranquila (Sabe o que é isso?).

Espero que um dia o senhor perceba, com o seu coração, que tudo o que Deus quer é que sejamos boas pessoas. Espero que um dia o senhor pare de se importar tanto com o cu dos outros, e se preocupe com o que realmente importa: amar ao próximo como a si mesmo.

Grata pela atenção,

Alice Vianna.

P.S.: Nas últimas eleições, o senhor recebeu pouco mais de 120 mil votos. Isso o transforma no 11º deputado mais votado do Rio de Janeiro, não no senhor supremo da verdade e da razão.

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